quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ARTIGO: CIÊNCIAS OCULTAS

Por:Sônia Corina Hess,engenheira química, professora da UFMS

Na Exposição Mundial de Paris, realizada entre maio e novembro de 1937, no pavilhão da Espanha, havia uma fonte instalada no jardim, de onde jorrava mercúrio metálico. Naquela época, ainda não eram conhecidos os danos que este metal causa à saúde humana e aos ecossistemas. A talidomida foi banida do mercado no início dos anos 1960, ao comprovar-se que a exposição de mulheres grávidas a este medicamento havia sido responsável pelo nascimento de bebês com deformidades graves.

De 1930 até 1990, os clorofluorcarbonos (CFC's) foram produtos industriais amplamente utilizados (gases de refrigeração, propelentes, agentes de limpeza de componentes eletrônicos, etc), até que trabalhos científicos demonstraram que estes gases têm participação no processo de destruição da camada de ozônio. Em 1948, Paul Muller recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia por sua descoberta do DDT, um eficiente veneno de contato contra diversos insetos. Somente depois do DDT ter sido amplamente empregado ao redor do mundo, é que foram divulgados os seus efeitos danosos sobre a saúde humana e os ecossistemas, que resultaram na proibição do seu uso, na maioria dos países, ainda nas décadas de 1970 e 80.

No Brasil, o DDT foi utilizado no combate a vetores até o final da década de 1990, e funcionários que aplicaram este inseticida impetraram ações judiciais contra a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), alegando que a exposição àquele material tóxico teria originado as doenças que os têm vitimado. Em 17 de outubro deste ano o governo do Canadá proibiu a comercialização, importação e propaganda de mamadeiras feitas de policarbonato, um plástico que libera, no alimento dos bebês, o bisfenol A, uma substância que, desde 1993, tem propriedades tóxicas descritas na literatura científica.

No Brasil, ao contrário do Canadá, praticamente todas as mamadeiras disponíveis no mercado são feitas de policarbonato, levando aos bebês o risco de desenvolverem doenças desencadeadas pelo bisfenol A (obesidade, hiperatividade e distúrbios de comportamento, diabetes, câncer, puberdade precoce, além de feminização e mal-formações no sistema reprodutivo de meninos).

Atualmente, há muitos estudos científicos que comprovam os efeitos tóxicos de centenas de produtos químicos utilizados em materiais de amplo emprego, como alimentos, cosméticos, embalagens plásticas, agrotóxicos, entre outros. Por outro lado, entre a divulgação dos estudos que demonstram a toxicidade dos materiais, inclusive medicamentos, e a proibição da sua comercialização, normalmente decorrem muitos anos.

No Brasil, observa-se que não há uma via direta de comunicação entre os cientistas e a sociedade, e é freqüentemente complexa a transcrição do conhecimento científico para que este possa ser compreendido por pessoas comuns e profissionais de outras áreas, como a jurídica, por exemplo. Mesmo havendo boa vontade, dificilmente, os cientistas brasileiros conseguem fazer com que os resultados de suas pesquisas resultem em medidas concretas, visando a proteção da saúde pública. Por exemplo, pesquisadores da Universidade de São Paulo, da equipe do doutor Paulo Saldiva, comprovaram que a queima da cana-de-açúcar libera poluentes atmosféricos que causam severos problemas de saúde na população exposta.

O mesmo grupo também comprovou que milhares de mortes poderiam ser evitadas, se o diesel comercializado no Brasil contivesse teores de enxofre menores do que aqueles atualmente praticados. Apesar de todas as provas conclusivas por eles apresentadas, inclusive, descrevendo os custos para o sistema público de saúde, decorrentes de tais práticas, seu esforço rendeu pouco ou nenhum avanço em defesa da população. Depois de muitos debates acirrados, envolvendo diversas instâncias governamentais, tanto a proibição da queima da cana-de-açúcar, quanto a redução dos teores de enxofre presente no diesel comercializado no Brasil, foram adiados.

Diante de tais fatos, e considerando que as fontes de exposição a substâncias tóxicas têm se tornado cada vez mais comuns, há de se perguntar como a sociedade poderia se defender diante de tais riscos, considerando que a maioria absoluta das pessoas não tem acesso ou não compreende os dados apresentados em trabalhos científicos onde tais problemas são descritos? Será que instituições como o Ministério Público estão preparadas para apoiar os cientistas dispostos a atuar em defesa da saúde pública? Será que estas perguntas não merecem uma resposta urgente, considerando-se que, no Brasil, o câncer é apontado como a segunda causa da morte entre as mulheres e terceira entre os homens, sendo que 80% dos casos da doença estão associados a fatores de risco presentes no ambiente?

Fonte: Correio do Estado

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